Não é estranho que o sujeito superendividado e com o CPF comprometido dificilmente consegue obter crédito, se recuperar da situação e colocar seu nome em dia. Excluído do meio social, muitas vezes busca fazer empréstimos informais, utilizar-se de “nome emprestado” para obter crédito ou tem de se conformar com a situação.

Foi pensando nessas pessoas que se criou a Lei nº 14.181/21, conhecida como Lei do Superendividamento, em vigor desde 01 de julho de 2021.

Por meio da referida Lei, o consumidor que possua diversas dívidas, vencidas ou não, e não guarde condições de arcar com o pagamento de todas sem comprometimento de seu mínimo vital, poderá buscar caminhos alternativos para se recuperar ou preservar sua boa condição financeira.

Assim como a recuperação judicial está para as Pessoas Jurídicas, a Lei do Superendividamento está para as Pessoas Físicas, no sentido de dar maior efetividade para o pagamento das dívidas existentes e evitar a insolvência do devedor diante de suas obrigações.

A Lei do Superendividamento está dividida em duas partes, uma que cuida da prevenção e tratamento do superendividamento, consolidando o princípio do crédito responsável, através do qual os credores, devedores e Poder Público devem agir sempre com o objetivo de evitar o superendividamento, e outra que trata da conciliação em si do consumidor superendividado.

Na primeira parte a Lei traz algumas recomendações e conceitos, como por exemplo o que vem a ser o superendividamento, que é a situação que garante a aplicabilidade da lei, sendo aquela em que o consumidor pessoa natural, de boa-fé, não consegue honrar com seus compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, operações de crédito, compras a prazo e/ou serviços de prestação continuada, sem comprometer o mínimo existencial.

Destaca-se que a boa-fé aqui é condição para reconhecimento do superendividamento do devedor. Isso significa que a lei não ampara o consumidor imprudente, que assume compromisso financeiro estando em situação de vulnerabilidade, sem condições de pagar, que tenha contraído dívida mediante fraude ou má-fé, ou ainda que tenha adquirido ou contratado produtos e serviços de luxo, de alto valor, incompatível com seus rendimentos.

Além disso, merece destaque que, em atenção ao direito de informação ao consumidor, a Lei realça alguns deveres dos credores no momento do fornecimento de crédito, como fornecer informações claras e objetivas, prévia e adequadamente, no momento da oferta, seja em relação ao custo total, taxa mensal, juros de mora e demais encargos para os casos de atraso, o número de prestações, a validade da oferta, que não pode ser inferior a 2 dias, os dados do fornecedor, assim como o direito de liquidação antecipada e não onerosa do débito.

Outro ponto interessante desta primeira parte da Lei são as proibições impostas ao credor, como: a) de proceder à cobrança ou débito em conta de quantia que tiver sido contestada pelo consumidor sobre compra de cartão de crédito ou similar, enquanto não solucionada a controvérsia, e desde que notificado a administradora do cartão pelo menos 10 (dez) dias antes do vencimento da fatura, sendo garantido ao consumidor deduzir da fatura o valor em discussão e pagar somente a parte não contestada; b) de recusar ou não entregar cópia do contrato principal ou de crédito; e c) impedir ou dificultar ao consumidor, em caso fraude no cartão de crédito ou similar, a anulação ou bloqueio do pagamento, bem como a restituição de valores indevidamente recebidos.

Já a segunda parte da Lei, e quem sabe a mais interessante, é aquela que trata especificamente dos privilégios conferidos ao consumidor superendividado, como de pedir perante o judiciário a repactuação da dívida mediante plano de pagamento de até 05 anos, de forma a garantir o mínimo existencial, tal como as garantias e formas originalmente contratadas.

É importante mencionar que a prerrogativa acima não se aplica para os casos de contratações mediante fraude, nem aos contratos com garantias reais, em que oferecidos bens como garantia pelo pagamento da dívida, nem contratos de financiamentos imobiliários ou de crédito rural.

Outra questão importante é o prazo para utilização da lei em relação a repactuação de dívida, prerrogativa esta que somente poderá ser utilizada com intervalo mínimo de 02 anos, a contar da liquidação das obrigações previstas no plano anteriormente apresentado e reconhecido pela justiça.

No que pese os credores não sejam obrigados a aceitarem o plano de repactuação, a Lei traz algumas consequências quando a solução consensual promovida pelo consumidor restar frustrada, como a possibilidade a este de pedir a revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, o qual será instaurado contra todos os credores que recusarem a proposta inicial, sendo garantido a estes, no mínimo, o pagamento do valor principal da dívida devidamente corrigido, no prazo de até 05 anos, com a primeira parcela prevista para até 180 dias, a contar da homologação judicial.

No mesmo sentido, quando injustificadamente os credores deixarem de comparecer na audiência de conciliação que discutirá a repactuação de dívida, poderão ser obrigados a suspender a exigência da dívida e deixar de cobrar os encargos pelo atraso no pagamento, além de ficarem de fora do plano de pagamento apresentado pelo devedor, com previsão de recebimento de seus valores somente após a liquidação total das dívidas inicialmente assumidas pelo consumidor no plano de repactuação.

Ou seja, a Lei prioriza a célere negociação das dívidas do consumidor superendividado e a recuperação financeira deste, e, no que pese não obrigue o credor a aceitar a proposta de conciliação, antecipa algumas desvantagens pela recusa deste sem qualquer prejuízo para os demais credores que aderirem a oferta.

Sem dúvidas a Lei representa um grande avanço na prevenção e tratamento ao superendividamento, assegurando meios para recuperação financeira e preservação da boa reputação do consumidor, todavia, sua utilização demanda o acompanhamento de um profissional especializado, para orientar a reunião dos documentos, no planilhamento das dívidas, na formulação do plano e dos demais pedidos judiciais cabíveis, bem como, por que certamente os credores estarão assistidos por tais profissionais.