Possuir maior qualificação técnica é sinônimo de acesso a mais oportunidades? Nem sempre. Bem, ao menos não quando se tratava de concursos públicos para cargos de Nível Técnico nos quais é comum perceber restrições – nem sempre muito claras – ao nível de qualificação técnica desejada pela Administração Pública.

No entanto, estas previsões trazem questionamentos: será que a Administração Pública pode vedar o acesso de pessoas com maior nível de formação a cargos de nível técnico? E o profissional, de maior qualificação técnica que desejar ocupar estes cargos, tem direito a exigir sua nomeação se for aprovado nas provas de concurso? Tudo isto leva a questionamentos sobre os limites da discricionariedade da Administração Pública no estabelecimento de critérios para contratação: afinal, ela pode impedir o acesso de profissionais mais qualificados aos cargos de menor complexidade?

Para solucionar este impasse, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente julgou recurso repetitivo (Tema 1.094) sobre a matéria e definiu que candidatos com Diploma de Nível Superior aprovados em Concurso Público podem assumir cargos de Nível Técnico mesmo que os respectivos editais de concurso exijam qualificação de nível médio profissionalizante ou Curso Técnico. O leading case – ou seja, o caso que suscitou a controvérsia – traz um Biólogo Mestre em Ciências Naturais aprovado em 2º lugar no Concurso Público para o cargo de Técnico de Laboratório do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) que teve sua nomeação barrada em razão de sua elevada qualificação técnica. O fundamento da decisão administrativa é que a documentação apresentada não se enquadrava com os requisitos do Edital, que exigia Ensino Médio Profissionalizante na área de Biologia ou Ensino Médio Completo com Curso Técnico na Área e não Curso Superior e Mestrado. Significa dizer que, para o IFCE, o edital autorizaria apenas a contratação de pessoas com menos tempo de estudos, inexistindo interesse em contratar pessoas com mais tempo de estudos e maior profundidade de conhecimentos técnicos.

Embora se possa indagar sobre o próprio desinteresse da Administração Pública em contratar pessoas mais qualificadas para cargos de menor complexidade – afinal não haveria impacto orçamentário decorrente de maior remuneração inicial para estes profissionais, que, diga-se, optaram por aquele cargo e aquele salário – a escolha pode se justificar pelas próprias necessidades da Administração Pública de buscar a contratação de profissionais com maior enfoque prático ao invés de maior bagagem teórica. Porém, isto significa que a Administração Pública pode barrar o ingresso de pessoas com maior qualificação técnica? Em seu julgado, o STJ entendeu que é possível à Administração Pública indicar que deseja contratar profissionais de maior expertise prática, no entanto, é vedado impedir o ingresso de profissionais mais qualificados.

Com isto, respeitados os limites, a Administração Pública pode contratar pessoas com formação abordagem eminentemente prática, mas deve permitir àqueles com maior arcabouço teórico acessar tais cargos. A tese de que este entendimento pode desequilibrar a concorrência dos certames e inviabilizar o acesso ao cargo público (art. 37, II, da Constituição Federal) aos candidatos de Nível Técnico não se sustenta. Com isto, candidatos preteridos em razão de elevada qualificação técnica podem agora recorrer ao Judiciário com maior segurança para pleitear sua nomeação no cargo de nível técnico em que lograram aprovação. Com esta decisão ganham os candidatos e, também, a própria Administração Pública, que poderá contar com profissionais mais habilitados em seus quadros funcionais que podem auxiliar em muito seus colegas após a posse.